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terça-feira, 6 de julho de 2010

Ela sofreu


Nasceu como uma criança normal. Senão pelo fato de ter nascido de 7 meses. Lutou um pouco para sobreviver, afinal, na época a medicina não era tão avançada e os cuidados para ela sobreviver foram tomados na própria casa. Ela cresceu como outra criança qualquer, apesar da família ter passado por dificuldades e dela ter que ajudar a mãe no trabalho. Ela sabia disso. E não se arrepende. Já disse uma vez, sou prova disso porque estava lá, que se fosse possível, voltaria atrás e viveria tudo de novo, porque foi uma época boa da sua vida.

Ela estudava muito. Acordava muito cedo para estudar. Seu pai estranhava, a mãe não fazia muito caso. Mas ela gostava. Ela adorava estudar. Disse-me, uma vez, que se "agarrava" nas matérias mais difíceis, para depois ir para as que ela gostava. Dizia que ia fazer engenharia civil. Porém, a gente tenta planejar algum futuro distante na nossa vida, só que as consequências do presente nos desviam para caminhos jamais imaginados.

Engravidou e casou-se cedo. Passou a viver o mundo do marido e perdeu suas amizades. Não perdeu as irmãs, que, sempre unidas, estiveram e estão ao seu lado. Seu primeiro filho foi muito mimado. O que, futuramente, rendeu muitos problemas. Teve outro filho, mas este não resistiu. Nasceu cedo demais, assim como a mãe, aos oito meses, mas não conseguiu permanecer na vida. Ouvi dizer que ele nasceu mesmo pra isso, para morrer, porque não havia criança mais linda do que ele. Teve uma filha, por fim, que ela aprendeu a não estragar. Porém, a moça caçula ficou deficiente em várias coisas. O filho sugou muito a atenção dela, e ela, numa atitude de erro desesperador, cegou os olhos e não viu o que faltou para a filha.

É uma mulher muito inteligente. Vários diplomas na mão, mas o sonho de ser engenheira civil não passou disso. Um sonho. Tem vários problemas. Falo de doenças. Sem contar em ter que aturar as pessoas da sua casa, sempre lhe trazendo problemas e problemas da rua. É uma pessoa cansada. Carregou por demais muito peso durante a vida. Carregou mais pesos do que o seu corpo suporta. E ainda os carrega.

Talvez você ache que ela não é feliz. Mas ela tem um pedacinho de felicidade, abrigado num pedaço do seu coração, ou melhor, no maior quarto da casa, naquela cadeirinha sempre olhando para a televisão. O seu bebê, antes seu pai.

Ainda vejo sim, a felicidade ali. Refletida naqueles seus olhos escuros e cansados. Ela acha a sua felicidade olhando para os olhos azuis e dopados de um homem que já foi corajoso, que já foi guerreiro e muito inteligente, mas que hoje reflete apenas as loucuras de uma vida, que hoje não passa do seu bebê. Ele é sua fortaleza.

Ela sofreu. E venceu.


MarinaV.


Para minha tia, Berta Lucy, demonstrando toda a admiração que tenho por ela.

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