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sábado, 23 de outubro de 2010

Unhas por fazer


Moça, que unhas são essas? Essas unhas que ainda não foram feitas, essas unhas por fazer... Com o esmalte "comido" e quebrado, trinchado como este seu lindo que rosto que agora parece chorar. Mas moça, por que choras? Por que não vais ao salão fazer tuas belas unhas, que estão grandes e bonitas, que definem esta tua mão tão feminina? Por que mesmo, moça?

Moça, não negues, você está abatida. Essas suas unhas atrasadas não negam que esta cor é antiga. Sua não preocupação com elas é preocupante. Você ignora seu orgulho e sua beleza, moça, para ficar abatida nessa cama, pensando nos problemas da vida. Mas moça, vamos ao salão. Vamos fazer estas belas unhas, pintá-las com a cor da volúpia, te iluminar e realçar esse teu tom claro de pele, com cores fortes e penetrantes.

Moça, pinta estas tuas unhas com aquele vermelho que tu tanto gostas. Com aquele vermelho bem forte e contrastante. Aquele vermelho que reveste teu pobre coração, que agora é quebrado como este esmalte velho que luta para permanecer nas tuas unhas. Vamos moça, levanta-te. Não se deixe abater com a vida. Só sobrevive quem aguenta a pancada mais forte. Reluz a tua beleza, moça. Vamos ao salão fazer as unhas.

Te levanta moça, ergue-te e vamos.

Olhar da intimidade


Desde pequena, enxergava algo errado nos olhos das pessoas. Percebia que ia muito de acordo com a simpatia do olhar. Dependendo do olhar das pessoas, eu aceitava ou não a presença e a fala delas. O olhar era algo sagrado para mim. Algo que tinha um significado muito além do que o que eu poderia imaginar, ainda criança, ao mesmo tempo que é algo muito fácil de entender agora, já um pouco mais madura.

Gostava dos olhos da minha mãe. Além de serem bem sinceros, eram olhos sofridos, olhos de alguém que já havia passado por muita coisa da sua longa trajetória da vida, coisas que eu futuramente iria saber detalhadamente, mas coisas que me foram ocultas na infância por me acharem ainda inocente demais. Porém, ninguém sabe, mas hoje eu sei o quanto não fui inocente e o quanto tive pouco de criança.

Gostava dos olhos do meu pai. Eles sempre demonstraram seu estado de espírito, eram como uma porta aberta para saber como estava o seu humor e a sua cabeça. Sempre foram. Eles me passavam uma sensação de superproteção da qual eu acreditava que nada no mundo seria capaz de me atingir física ou psicologicamente, e mais tarde, durante o seu mestrado, descobriria o quanto passaria horas inúteis tentando dividir meus acontencimentos diários e depois de muita fala, descobriria olhos vazios vagando por um passado histórico que não muito me interessa, nunca me interessou muito.

Mais futuramente, já entrando em um período de reviravoltas na minha vida, descobriria o olhar da minha irmã. Este sim, era o olhar da inocência. É o olhar que me dá alegria, que inúmeras vezes me fez sorrir simplesmente pelo prazer de fitá-lo bem seriamente e descobrir um sorriso no seu rosto infantil. Ela sim, teve e tem toda a criancice que eu jamais tive, e talvez seja por isso que eu me complete tanto quando estou com ela. Talvez seja por isso que minha vida vira um desencaixe sem o seu olhar.

Hoje, depois de tantas interpretações de olhares ao longo da minha vida, não me consigo imaginar sem observar olhares. Sem encaixar meus olhos nos olhos brilhantes e realistas da minha avó, sem descobrir o olhar protetor do meu primo, sem o olhar alegre das minhas amigas, sem o olhar preocupado delas quando me veem triste... Os olhares compõem minha vida.

Porém, o olhar que mais me agrada é o olhar da intimidade. É aquele olhar que eu descubro quando chego triste no colégio e ninguém precisa perguntar o que tenho, pois todos já sabem que eu estou triste, e que não importa o motivo, eles estarão lá para me ajudar. É aquele olhar quando você quer tratar de um assunto particular e aquela pessoa lhe chama pro canto. É aquele olhar de subentendidos após um beijo ou um abraço, aquele que se é fitado por apenas uma fração de segundo, e se fica guardado na memória como horas e até dias. É aquele olhar de duplo sentido, aquele que precede um beijo de amor fervoroso, um beijo que mexe com o mais profundo de um ser que realmente sente. O olhar da intimidade é o olhar que todos guardamos para nos revelar para aqueles que realmente amamos. Por isso, ele é o sinal de um grande amor ou de uma grande amizade.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Canto para o meu amor


Oh gosto armagurante que não sai do meu peito,

oh ausência de vida que me corrói...

Por favor, saia deste meu profundo leito

E retire esta dor que tanto me destrói.


Oh! Volte a ter o efeito,

por favor amor, oh amor herói,

retorne ao meu mundo perfeito

retorne e retire isso que me dói.


Esqueça as minhas loucuras

ditas e profeciadas.

Por favor, amor, me finja ternuras...


Esqueça das nossas brigas,

as minhas tragédias, das minhas manias,

e volte, amor, a fazer parte das minhas alegrias.


MarinaV.

sábado, 9 de outubro de 2010

Ouro de tolo


Todos os dias eu acordo cedo e vou para o mundo das obrigações. Todos os dias eu ocupo os meus dias de preocupações, de responsabilidades e de conhecimentos. Todo dia eu leio sobre mil assuntos, entendo de política, filosofia, religião e matemática. Anoto detalhes de aulas e presto atenção no mundo.


Todos os dias eu faço a mesma coisa. E essa mesma coisa não preenche o meu ser que realmente vive, que ainda se diz vivo, mesmo que morto pelo cotidiano, dentro de mim. Aquele ser que sabe que a realidade é algo decadente, que a verdade dói muito mais que a mentira e que a ingenuidade é uma mentira vivida na infância na qual futuramente saberemos que jamais deveríamos sair.


Todos os dias eu tomo conhecimento de coisas absurdas, de coisas que não mudam em nada minha vida, de coisas que jamais usarei ou ensinarei aos meus filhos. Aprendo noções mirabolantes, que muitas vezes não entendo, estudo uma jorrada de conteúdos que nunca entendo a ordem nem o motivo, mas finjo que gosto e que quero prestar atenção.


Todos os dias me vejo trancada em uma sala cheia de gente que jamais saberá o que eu estou pensando e que jamais saberá da minha vontade de criar asas e voar para longe de tudo aquilo que me cerca. Porque enquanto estou ali trancada aprendendo uma série de coisas inúteis, poderia estar lá fora vivendo de viagens e vendo as paisagens do mundo, escutando os mais velhos contarem histórias da sua infância, escutando o barulho do vento no mar, sujando meus pés de areia, tirando fotos do azul do céu, prendendo flores nos meus cabelos, sorrindo sozinha para o sol, dançando no ritmo da brisa da noite...


Todos os dias tenho o desejo de me desacorrentar, de sair desse sufoco que me cerca. Mas continuo seguindo o cotidiano inútil de conhecimentos capitalistas, fingindo que estou aprendendo, fingindo que estou gostando. Enquanto isso, lá fora, o vento me chama para brincar na beira do mar, com flores nos cabelos, com um céu azul e um sol radiante.


MarinaV.

Taça de vinho


Perto do armário da cozinha há um balcão. Nele está uma taça. Aquela taça em que ontem eu bebi o vinho. Hoje todo o vinho que bebi se resume a uma dor de cabeça que me prende à cama, que me impede de me levantar e seguir o dia normalmente. Mas aquela taça não apagou nenhuma mágoa que você deixou em mim.


Eu ontem estava com a garrafa na mão. Sentada num canto do meu quarto, bebendo a taça de vinho, escutando boleros e pensando em você. Pensando em nós. E ainda não me conformei com o que aconteceu, ainda não entendi o que aconteceu. Mas agora, no pleno racional, finjo que entendo. Finjo que esqueci você.


Mas enquanto tomava o vinho, enquanto bebia aquele vinho, olhava para a cama e me lembrava dos nossos momentos. Me lembrava de como você sabia me deixar sem ar e me agradar. Por um momento cheguei a sorrir. Ao menos lembranças boas você soube deixar. Mas então, me recordei de toda a sua traição, e aos invés de risos, saíram lágrimas.


Já no final da garrafa, estava acompanhando o bolero sozinha. Não tinha mais nenhum par. Dancei por uma longe noite sozinha, usando a camisola de seda que você me deu, bebendo na taça de vinho que agora está ao lado da estante da cozinha, em cima do balcão e vazia. O vinho antes preenchera aquela taça, bem como o meu coração.


O vinho, por uma noite, foi o meu sangue, o meu suor e minhas lágrimas. Foi o meu amigo do peito que me consolou no leito de uma cama. Foi quem cantou uma canção de ninar para eu dormir, quem me fez companhia, agora que você não está aqui e quem ficou ao meu lado no bolero, dançando passos falsos, rindo e chorando junto comigo.


O vinho que agora realmente percorre o meu sangue foi meu companheiro, meu camarada, meu consolo, meu amor, o meu tudo-e-nada. E agora, toda essa nova amizade que se tinha feito se resume a uma taça vazia, ao lado da estante da cozinha, no balcão. O vinho também me abandonou. Você me abandonou.


Me levanto então da cama, com o mundo ao meu redor que gira, olho minha imagem decadente no espelho e vou ao armário da cozinha, pego outra garrafa de vinho, apanho a taça, ligo o som no bolero, e repito as mesmas cenas da noite anterior. Porque o vinho eu posso comprar, você não. O vinho, enquanto o dinheiro durar, vai me acompanhar, mas você não. O vinho vai preencher meu espaço vazio, vai dar razão aos meus sentimentos e ao meu coração insano, coisas que durante anos você não conseguiu fazer. E o vinho pode fingir me amar, coisa que você nunca teve competência para fazer.


MarinaV.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Minhas lágrimas


E eu já não sei mais o que fazer com essas lágrimas que me escorrem. Essas lágrimas que saem de mim querendo levar junto com elas a minha tristeza, mas a tristeza... Ela não sai tão fácil assim. Enquanto as lágrimas jorram, a tristeza penetra no local mais profundo da minha consciência e lá se armazena, procurando a calma de espírito bater, o rio de lágrimas parar de correr e finalmente, finalmente, algum sentimento racional se manisfestar e perguntar o por quê de tudo aquilo. Por quê há mágoa, por quê a mágoa, por quê o sentimento de culpa se eu não fiz nada?


As lágrimas não mais escorrem. Mas parecem que ainda percorrem as minhas veias, os meus nervos, os meus desejos e o meu cérebro. Porque eu simplesmente não sei o que pensar. Não há nada para dizer nem para falar. Agora o silêncio se apossa do meu ser e tudo se resume a essas palavras. Essas palavras que não são ditas nem pronunciadas.


E nesse momento meu pensamento parece que se resume ao nada. E por um instante minúsculo, pouco e pequeno eu sinto felizmente que viver sem pensar seria a solução de muita coisa no meu mundinho. Mas caio na real: se eu estou refletindo que viver sem pensar seria é bom, é porque estou pensando. E o sopro vital retorna. E tudo retorna.


Então eu me concentro em pensar na música "Tente outra vez" do Raul Seixas. Encontro algo que me estimule temporariamente. E vou finginfo que estou contente e feliz novamente. E de tanto fingir eu realmente fico. Caio nos risos dos meus amigos e volto ao normal. Ao que é supostamente normal: o cotidiano.


Mas me abato de novo quando penso que vivo em círculos capitalistas que vão e vem e me obrigam a seguir essa rotina entediante, que me obrigam a ser aprisionada a diversas responsabilidades e deveres a cumprir, que me obrigam a ser humana, limitada, pensante, errante e, no meu ver, idiota.


MarinaV.

domingo, 3 de outubro de 2010

Planos de Papel

Deus,
eu passo os sete dias úteis
traçando nove dias fúteis
fazendo planos de papel
em quartos cinzas de aluguel
e eu vou dormir...
Entre as paredes do hotel do sossego, meu amor

Sim, no contracanto do meu leito
guardo um punhal cravado ao peito
tingindo a cama e o lençol
por uma fresta me invade o sol
e vou deitar...
Entre as palmeiras desenhadas nos jornais, meu amor

Ah, mas que você espera de mim?
Que o consumado eu vá repetir, não...
Sim o que me importa nesse instante
é esse não importar constante
é esse sorriso que eu guardei
nessa gaveta a qual fechei
pra eu dormir...
Com a cabeça no lugar que eu deixei, meu amor...


Raul Seixas