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sábado, 9 de outubro de 2010

Taça de vinho


Perto do armário da cozinha há um balcão. Nele está uma taça. Aquela taça em que ontem eu bebi o vinho. Hoje todo o vinho que bebi se resume a uma dor de cabeça que me prende à cama, que me impede de me levantar e seguir o dia normalmente. Mas aquela taça não apagou nenhuma mágoa que você deixou em mim.


Eu ontem estava com a garrafa na mão. Sentada num canto do meu quarto, bebendo a taça de vinho, escutando boleros e pensando em você. Pensando em nós. E ainda não me conformei com o que aconteceu, ainda não entendi o que aconteceu. Mas agora, no pleno racional, finjo que entendo. Finjo que esqueci você.


Mas enquanto tomava o vinho, enquanto bebia aquele vinho, olhava para a cama e me lembrava dos nossos momentos. Me lembrava de como você sabia me deixar sem ar e me agradar. Por um momento cheguei a sorrir. Ao menos lembranças boas você soube deixar. Mas então, me recordei de toda a sua traição, e aos invés de risos, saíram lágrimas.


Já no final da garrafa, estava acompanhando o bolero sozinha. Não tinha mais nenhum par. Dancei por uma longe noite sozinha, usando a camisola de seda que você me deu, bebendo na taça de vinho que agora está ao lado da estante da cozinha, em cima do balcão e vazia. O vinho antes preenchera aquela taça, bem como o meu coração.


O vinho, por uma noite, foi o meu sangue, o meu suor e minhas lágrimas. Foi o meu amigo do peito que me consolou no leito de uma cama. Foi quem cantou uma canção de ninar para eu dormir, quem me fez companhia, agora que você não está aqui e quem ficou ao meu lado no bolero, dançando passos falsos, rindo e chorando junto comigo.


O vinho que agora realmente percorre o meu sangue foi meu companheiro, meu camarada, meu consolo, meu amor, o meu tudo-e-nada. E agora, toda essa nova amizade que se tinha feito se resume a uma taça vazia, ao lado da estante da cozinha, no balcão. O vinho também me abandonou. Você me abandonou.


Me levanto então da cama, com o mundo ao meu redor que gira, olho minha imagem decadente no espelho e vou ao armário da cozinha, pego outra garrafa de vinho, apanho a taça, ligo o som no bolero, e repito as mesmas cenas da noite anterior. Porque o vinho eu posso comprar, você não. O vinho, enquanto o dinheiro durar, vai me acompanhar, mas você não. O vinho vai preencher meu espaço vazio, vai dar razão aos meus sentimentos e ao meu coração insano, coisas que durante anos você não conseguiu fazer. E o vinho pode fingir me amar, coisa que você nunca teve competência para fazer.


MarinaV.

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